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Foto do escritorGiselly Vitória

CONHEÇA UMBILICHAOS: A BANDA DE UMA INTEGRANTE SÓ

A musicista Anna C Chaos falou abertamente sobre o projeto solo de Doom/Post-hardcore

Anna C Chaos / Umbilichaos

No início do mês, conversamos com Anna C Chaos, criadora e vocalista de Umbilichaos e Ismália. Em pauta estava a Umbilichaos, projeto solo de Doom/Post-hardcore, desde surgimento até as expectativas futuras que ela tem como meta na cena, os anseios por ser uma artista trans em meio a um público com muitos conservadores, e o acolhimento dos progressistas. Sozinha, a artista acumula 11 lançamentos de discos e uma história com dificuldades e conquistas no meio musical.


O mais recente álbum da Umbilichaos foi lançado em novembro do ano passado, intitulado "Filled by Empty Spaces", possui singularidades aparentes tanto no vocal quanto no instrumental. A sonoridade é imprissionante no quesito qualidade, principalmente por ser uma só pessoa que a produziu. E sobre as adaptações dos instrumentos, Anna respondeu, "Como só havia eu nas cordas, passei a testar afinações, cada vez mais baixas, para suprir a ausência de baixo ou outra guitarrista".



Confira a entrevista:


ROCK EM SÍNTESE - Como o projeto surgiu e ganhou forma?


ANNA C CHAOS - Foi em dezembro de 2007. Eu morava em uma cidade pequena, em que havia pouquíssimas bandas de rock e todas eram cover. Eu estava com um banco de canções após 1 ano compondo. Mas para montar uma banda, as opções eram limitadas, e ainda pior se você quisesse encontrar alguém que não confundisse ser punk, com ser péssimo instrumentista (risos). Toquei 1 ou 2 meses com baixista e baterista de minha primeira banda cover. Chegamos a tocar um esboço da primeira música da Umbilichaos, Anchor, nesse formato. Mas as incompatibilidades musicais eram claras.


Eu estava começando a ter acesso à internet naquele ano, com a chegada das lan-houses na cidade, e pesquisando, descobri que ulgumas bandas utilizavam drum-machines. Comprei uma usada. Eu havia acabado de ser demitida, o dinheiro da rescisão foi usado na drum-machine e em um desktop (que usei para baixar o manual do instrumento). E passei o mês de dezembro trancada, ouvindo música, e tentando entender o que uma bateria fazia exatamente em uma música.



ROCK EM SÍNTESE - Quais as influências na hora de compor as músicas?


ANNA C CHAOS - São muitas. Sou uma nerd de rock. Ouço poucos artistas de outros estilos. Dentro do rock, estou sempre procurando e estudando artistas que ampliem meus horizontes e façam coisas que eu não sou capaz de fazer. Mas, para citar alguns: Sabbath, Black Flag, Germs, Pink Floyd, King Crimson, Beatles, Zeppelin, Joy Division, John Fahey, Joni Mitchell, Sonic Youth, Swans, Jesus Lizard, Soundgarden, Alice in Chains, Neurosis, Meshuggah, Melvins, Converge, Jesu, Isis, Drive Like Jehu, Metallica, Behemoth, Integrity, Death, Voivod, Starkweather, Eyehategod, New Order, Helmet, Earth, Portishead, Sepultura, Elma, Hurtmold...



ROCK EM SÍNTESE - O projeto contém integrantes pontuais ou efetivados?


ANNA C CHAOS - Apenas eu. Um amigo tocou segunda guitarra entre 2008 e 2009, mas não deu certo. Após isso, aceitei o fardo a carregar (risos).



ROCK EM SÍNTESE - Quais as dificuldades de divulgar projetos sonoros em plena pandemia?


ANNA C CHAOS - Pra mim, é particularmente difícil. Sou a responsável por tudo, o que é cansativo. E economicamente pesado também. Não tenho com quem dividir responsabilidades e gastos, então isso me prejudica bastante para fazer as coisas andarem. Por exemplo, não tive nem coragem de me informar quanto seria gravar uma apresentação pra deixar no streaming, para não chorar lágrimas de sangue (risos). Gosto de me conectar com as pessoas através da música, então é bem "broxante" não ter perspectivas de apresentações por aqui. E não poder sair do país, pois viramos párias. Graças ao verme que ocupa a presidência. Mas fora isso, acho que a dificuldade é a mesma do mundo pré-pandemia: tem tanta música rolando hoje, que é difícil se fazer notar. E quando você não faz muita questão de entrar em panela ou não é aceita (risos), e não tem grana pra "comprar" uma tour, é mais difícil.



ROCK EM SÍNTESE - Você já sofreu algum tipo de preconceito por pertencer à comunidade LGBT+? Você acha que ainda existe muita hostilidade em meio à cena?


ANNA C CHAOS - Imagino que a primeira pergunta se refere a preconceito no rock, certo? Eu, felizmente, não sofri nenhuma discriminação mais grave na cena. Rola uns estranhamentos, e desconfortos, especialmente de homens cis-hétero, quando me identificam como trans. Meio que eles não sabem como se comportar comigo, como se eu fosse uma ET. Em Bratislava, tive que ameaçar socar um cara, que foi transfóbico repetidamente após uma apresentação. Acho que foi o momento mais sério dentro da cena.

Mas, tenho sorte de que as pessoas que tenho mais próximas no rolê, que é em grande parte a galera envolvida com o coletivo Sinfonia de Cães, tem uma mente mais progressista, punk de verdade, e me acolheram bem.


Além de que a discussão sobre a população LGBT avançou muito, especialmente questões de gênero. Pessoas trans tem cada vez mais saído das sombras nessa última década, e isso tem um impacto grande para nossa existência saudável nos espaços. Antes disso, homo-transfobia era bem normalizada, na forma de piadas e exclusões. Claro, nem tudo são flores. O rock no geral, é há muito tempo um microcosmo da nossa sociedade, de roupa preta e tatuado. A nível de Brasil, quantos reaças não saíram do armário? Quantas denúncias de homens cis violentos nos shows? De caras que abusam e agridem suas companheiras? De passação de pano pra essa situações? Quantas pessoas abertamente LGBT estão na cena, ou se sentem acolhidas e seguras nestes espaços? Quando você carrega marcadores sociais, desvia da norma de gênero-sexualidade-raça-classe, você fica exposta a violências diversas.


O rock virou algo muito ligado à agressividade machista, e se torna um espaço que não é seguro para mulheres ou população LGBT. Eu fiquei cerca de 1 ano e meio afastada de shows, tanto de assistir quanto de tocar, pois tinha receio de como seria recebida pós-transição. Não rolou nada grave ainda, mas numa sociedade que tem 63.000 assassinatos por ano, campeão de feminicídios e assassinatos de pessoas trans, acabamos carregando essas sementes por mais libertárias que nos acreditemos.


Anna C Chaos / Umbilichaos

ROCK EM SÍNTESE - Como foi a produção e composição do disco “Filled by Empty Spaces”?


ANNA C CHAOS - Começou em 2014. Eu estava em um período mais pronunciado de depressão, não conseguia voltar ao meu campo profissional, estava em um trabalho de merda, com algumas dificuldades financeiras. Havia terminado um relacionamento há alguns meses e ainda sofria com isso. Bebia com uma frequência que não era a minha. Em retrospecto, alguns desses elementos são uma equação razoavelmente constante na minha obra. (risos). Na época, havia voltado à faculdade, e lendo bastante Joseph Campbell e Carl Jung, que são influências fortes na minha escrita.


A parte instrumental veio primeiro. Eu tinha alguns riffs soltos e outros começaram a me vir à cabeça. Foi um momento marcante, porque foi quando comecei a compor sem a guitarra, apenas mentalmente. Depois disso, músicas inteiras passaram a ser compostas e arranjadas, guitarra e bateria, na minha imaginação. Depois, só materializou tocando mesmo. Letras sempre são tiradas de meus cadernos de poemas, e não necessariamente tem relação com a música. É mais um processo de encontrar uma que eu goste naquela hora e transformar em letra. Essa em especial, lembro de ter escrito meio bêbada, na mesa de um boteco (risos).



ROCK EM SÍNTESE - O que te inspira quando está compondo?


ANNA C CHAOS - Música. Estou sempre procurando coisas novas, e dissecando o que ouço, seja um toque de caixa num ponto da batida em que nunca pensei, uma lance de pratos, um timbre de guitarra, um riff ou melodia que me faz ter tesão pela vida, o coração transbordar, uma pausa de meio segundo, etc.


Acho que tenho um estilo bem definido, propositadamente limitado. Muita liberdade criativa, pode acabar soando como falta de identidade, às vezes. Desde o dia 1, eu coloquei o lema “das limitações vem grandes ideias”. E dentro disso quero sempre acrescentar algo novo, um detalhe que seja, e tentar coisas que não fiz ou explorei o suficiente.


Liricamente, eu trabalho com poemas. Não me preocupo com métrica, ou rimas, mas com a expressão de uma ideia ou emoção. Eu acho que estou falando sempre das mesmas coisas, pensando em jeitos novos de dizer coisas que algumas pessoas sentem. Mas gosto de usar simbolismos diversos, deixar as coisas mais abertas a interpretações pessoais, mais do que nomear claramente os elementos. Eu costumo escrever em períodos de emoções turbulentas, depressão, e até de bloqueio.


Eu tenho escrito menos, com o passar dos anos. O que é um sinal de que tenho melhores mecanismos de enfrentamento para as merdas da vida. Acho (risos).



ROCK EM SÍNTESE - Qual mensagem você quer passar aos ouvintes através do seu trabalho?


ANNA C CHAOS - Eu nunca tive uma mensagem específica, que estivesse na intenção de passar. Acho que cada trabalho representou um momento específico, e sempre foi muito pessoal, meu processo criativo. Sinto necessidade de criar, e solto esperando que alguém se interesse.


Minhas letras sempre foram propositalmente abertas a interpretações, nunca me vi como alguém dando respostas ou orientações nesse campo. Eu diria que mais do que uma mensagem, há um objetivo, que é o da conexão emocional.


Quando eu era adolescente, achava que não tinha lugar no mundo e que estava sozinha na minha depressão e nas minhas angústias. O rock me acalentou, deu propósito. E mostrou que havia pessoas que eu nem conhecia, mas que se sentiam da mesma forma. Meu objetivo sempre foi proporcionar isso para as outras pessoas, devolver o que me foi dado pela música, e pelo qual sou grata. Espero que pra quem ouviu, a obra da Umbilichaos, e também da Ismália, meu outro projeto, possa ter trazido algum conforto e aliviado um pouco as dores da vida.


Anna C Chaos / Umbilichaos

ROCK EM SÍNTESE - Você possui uma discografia imensa de 11 trabalhos, como você vê isso atualmente? Mudaria algo?


ANNA C CHAOS - O 12º disco sai em junho (risos). Eu sempre produzi bastante. Embora não na mesma frequência dos 5, 6 primeiros anos, por falta de tempo mesmo. É mais fácil gerenciar logisticamente quando você faz tudo sozinha. Não há a questão de esperar a banda poder participar. Mas também é mais lento e trabalhoso.


Eu tenho orgulho de tudo o que fiz musicalmente. Meu outro lema, é "não existem ideias ruins, você que não as trabalhou o suficiente ainda". Dito isso, tudo o que fiz, foi o melhor que podia em cada momento e me sinto confortável ainda hoje tocando todo esse repertório. Eu só diminuiria as repetições das partes. Foi proposital, um lance Swans, Earth. Mas, tocando essas canções dos oito primeiros discos hoje, sinto que torna as músicas longas demais e aborrecidas de tocar. Fora isso, eu não me sinto mais contente com o resultado final das gravações de nenhum disco até o single Vast Horizon Pt 01, do ano passado.



ROCK EM SÍNTESE - E por fim, quais são as suas expectativas quanto a 2021?


ANNA C CHAOS - Olha, a essa altura, tá difícil ter expectativas. Eu espero que haja investimento real para produção de vacinas. Que elas cheguem o quanto antes a toda a nossa população e possamos dar um basta a essa tragédia da Covid. Quero ver o clã de batedores de carteira que ocupa o Planalto ser relegado à lata de lixo da História, e que aconteça com eles coisas que se eu escrever aqui, vão me enquadrar na Lei de Segurança Nacional.


Quero a volta da Comissão da Verdade e punições reais para os crimes praticados por essa instituição que insiste em golpear o país. Quanto a música, estarei lançando um single novo em 15 de abril, To Become Unreal Pt 01. Faz parte do disco homônimo, que sai em 17 de junho. Acho que tem uma evolução ainda maior em relação ao Spaces, é certamente meu disco que soa mais terrível. Estou ansiosa para que as pessoas possam ouvir. Agradeço o espaço e o interesse de vocês!


Confira a faixa Filled by empty spaces que está inclusa no álbum autointitulado Umbilichaos:



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